sábado, 26 de junho de 2010

O Sol Nascer Quadrado




















Sete horas. A boca tá seca, tão seca quanto a terra fora do Urso Branco. É verão em Porto Velho, sempre se pode contar com a chuva, que deixa tudo mais quente quando vai embora... Mas quando chega, aaah! É aquele alívio! Você poderia comparar a situação a uma tremenda gozada, mas não, nessas circunstâncias a chuva é bem melhor. Circunstâncias. Elas que te trouxeram até aqui, Jadílson. Nome engraçado esse, Jadílson. Jadílson é nome de pedreiro ou bandido ou ponta-direita. Você foi os três, cara. Olha só, que orgulho pra mamãe, Jajá! Olha só, quanta história pra contar, Jajá! Jajá, não finge que não tá ouvindo! Vamos contar essa história direito.
Pedreiro. Vamos começar por aqui então. Pedreiro! Trabalhando com o pai, lá em Rolim de Moura... "aquilo que era vida, eu era feliz e não sabia". Não, não era. Mas tudo bem, todo mundo faz isso, mente pra si mesmo. Principalmente se a vida tá uma merda. E a tua sempre foi uma. HAHAHA Tá, vamos lá.
Pedreiro. Dizem que o segredo tá na massa, na hora de mexer. E nisso você é bom, né? Que o diga o bugre boliviano que divide a cela contigo. Que belo casal, hein?! Se o teu pai te visse... ia dar uma surra pra até os netos nascerem tortos. Era isso que ele dizia, né? HAHAHA Desculpa, eu não faço por mal, é que eu acho engraçado, sei lá.
Você trabalhava com o pai, lembra? Vivia dizendo que ia sair dessa vida de fazer reboco. E agora, tá aí, sendo rebocado! Por um boliviano! Deus é um cara engraçado, com certeza! Se não é ele, é o capeta. Senso de humor é tudo hein, Jajá? Tá ouvindo? Eu sei que tá. HAHAHA Ai, eu tô rindo pra CARALHO, seu filho da puta! Rindo de ti, é claro.
Então, daí dum dia pro outro foi embora, tanto falava que nunca achei que ia. Mas foi. E aí virou ponta-direita no Ji-Paraná. Era titular e tudo. Até que tava bem, tão bem quanto um jogador de futebol em rondônia pode estar. Jogava bem, era rápido, chegou a ir pro São Raimundo, mas sentiu saudades.SAUDADES DO QUÊ? Não tinha mais família, namorada, quase nenhum amigo... Tá, voltou pra Ji-Paraná. Ninguém sabe o que aconteceu pelas bandas de Manaus, só que voltou diferente. Não tinha a mesma bola. Treinava muito pouco e quando ia, não rendia. Começou a arrumar confusão, feito aquela na casa do treinador, lembra? Chegou com cachaça até na alma, reclamando que era perseguido, e que ia se vingar descabaçando a filha do treinador. Doze anos, Jajá! A menina tinha doze anos, cacete! Mereceu a surra que tomou, do time todo. Te arregaçaram! Me diz, o gosto do sangue é bom, Jajá? Ficou sem time. Ninguém quer contratar um pedófilo. Voltou a ser pedreiro.
Mas não por muito tempo. Aí é que entram elas, as circunstâncias. Começou com a mela. CACETE! Não rendia mais. Paranóia. Sabe o que é isso, Jajá? Tá ouvindo esse barulho? É o teu cérebro derretendo, mais rápido que sorvete no sol; e você aí, travado. Vivia num submundo. Quer dizer, aqui é o submundo. As pessoas normais tão no submundo por aqui. Onde é que você tava então? Dormia abraçado com a fome, primeiro em casa, depois na pracinha.
Daí chegou o Virilha, grande Virilha! O apelido vinha de uma briga. Ele tinha se estranhado com um malandro, quando ainda morava em Jaru. No meio da briga, o Virilha, que ainda não era Virilha, cravou um canivete no meio das pernas do cara. Parece que o golpe pregou o pau do cara na virilha. Aí foi só correr pro abraço! Dizem que matar com ódio dá a mesma sensação que um gol nos acréscimos, em final de campeonato. Eu não sei! Nunca fiz gol em final de campeonato... HAHAHA Virilha furou, em suas próprias palavras "O bucho daquele boquetero, pra sangrá até morrê" Dali em diante não era mais Waldir, era Virilha.
Virilha era bonito, né? Pra ele te convencer não demorou tanto assim...Quando a cabeça não ajuda, o corpo padece, era assim? Ele te usou. Você nem ligou, queria ser usado. Mas não do jeito que ele usou, não é, Jadílson? HAHAHA Ai, essas risadas dão uma desafogada na tensão, né? Não? Pra mim, sim. Combinaram de roubar o posto, o Virilha já tinha trabalhado lá, e sabia que o cofre ficava embaixo do balcão. Ideia muito original. E inteligente. Mas tá, o que esperar de alguém chamado Virilha? Do cara que usava uma camiseta estampada com o rosto do Chico Mendes, sem saber quem era. Em plena Amazônia!!!
Chegaram lá, saiu tudo igualzinho no ensaio. Ia dar certo, não fosse você querer levar uma Coca do posto. Vocês tinham mil e quinhentos reais, seu asno! JADILSON, DEIXA ESSA COCA! BURRO DA PORRA! LARGA ESSA COCA, CARALHO! Todo mundo ouviu. Viu Virilha armado na porta, e ligou pra polícia. Foram pegos. Fugir de bicleta de um assalto? Aposto que foi ideia tua! HAHAHA Pra melhorar a situação, o Virilha atira no dono do posto antes de ir embora. Atira no pneu do Gol 79 que era pra ser uma viatura. O PM perde o controle e joga o carro em cima de quem? Da BICICLETA! Genial esse teu comparsa, Jajá! Nem Groucho Marx escreveria um roteiro assim. E agora esse sorriso amarelo? Não finge que não é contigo! Não finge que é surdo! Escutou?
São nove horas. Os olhos tão úmidos. Parece que o Rio Madeira tá vertendo deles. E o boliviano querendo um particular contigo...
BOA SORTE, JADÍLSON!

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Bandejista

O asfalto é uma extensão das pernas enquanto você corre! Corre, como se a sua vida dependesse disso; parece que nasceu pra esse momento, p’ressa corrida. Corre contra o relógio (ou ele corre contra você?). Corre pra pegar o ônibus. Corre pra interromper o fluxo crescente de esperma que Deus despeja na tua boca enquanto goza da tua sorte.
— Sabe que no final do arco-íris, não tem nenhum pote de ouro, mas sim um cu preto e cabeludo? Poisé... Mesmo que o único misto quente na tua vida seja um sanduíche, você concorda com Chinaski: Você é Chinaski!
Aquele monte de corneteiros, dia-a-dia, crescendo pra cima de ti, espremendo contra a parede de uma maneira incrivelmente dolorosa? É pra te fazer desistir. E mais cedo ou mais tarde, é claro que tu vai. Afinal, que chances tem alguém com ESSA aparência? Os dentes tortos, quase sujos. Os olhos são fracos, não dizem nada e mesmo que pudessem não diriam. No somatório da obra, acho que você é um rascunho. UM RASCUNHO FODIDO DE TRINTA ANOS! Um monte de merda amargurado por nunca ter sido o que achava que era pra ser! E nunca poderia ter sido, você sabe disso.
Eu poderia levantar daqui. Desligar o computador e ir até a mesa que você limpa. Eu diria — Cara, abre um sorriso! Qualé a tua? O mundo tá aí, sorrindo pra ti, você tem sorte de não ser judeu. No Paquistão. Com uma camisa do Bush. Resenhando um filme do Goddard. Ouvindo Calypso e comendo beterraba. Tem um monte de mulher linda querendo dar pra ti! TEU PAU É DE OURO! Tem uma música que eu gosto muito, que diz assim, cara. Presta atenção! É natural, nem tudo sair como se espera. Mas todo ano vem a primavera, e o calor do sol ta aí, pra te abraçar. — Mas não vou. Tenho preguiça e principalmente, é mentira. A tua vida é um saco, mas é a única que você tem.
Eu me pergunto. — Sério, eu realmente me importo. — Eu me pergunto se você se pergunta:”O que eu fiz pra merecer tanto?” E faria alguma diferença saber? Claro, você poderia matar o culpado, com o preço de privar-se do paraíso. Porque, suicídio é pecado, não?

terça-feira, 22 de junho de 2010

O Buraco

Sabe um buraco bem fundo?
Você só quer estar nele, e mais nada.
Sem nada.
Despido de tudo e de todos;
longe até da própria consciência.
Sem pretensão alguma.
Pensando em como tudo o que você é, talvez
não seja o que realmente é
e em como seria se fosse como quer ser.

"Eu não vou mais trabalhar na fazenda da Maggie"
Você decide ao som frenético do BLUES que ressoa na própria cabeça,
somente nela.
Talvez nada faça sentido no buraco.
Esse é o encanto!
Você pode pensar.
POR SI PRÓPRIO!
Se é que é possível...
Pensar por si, onde já se viu...


segunda-feira, 7 de junho de 2010

T.I.A.I.

Ah, não fossem as palavras... suspira o avô, as fissuras na face marcando a passagem do tempo como troféus, cada ruga contando uma história Estaríamos nos grunhidos, na mímica, na gesticulação (os italianos que o digam). Mas o que mais me fascina, João, são as palavras escritas. Escritas e impressas, porque esse computador que tu endeusas não me agrada. É frio e desalmado. E ler nele então? Uma tortura prestes olhos velhos de guerra.

João se acomoda na poltrona, embevecido pela prosa do velho que usa as palavras como ninguém, que tem na voz rouca um convite ao silêncio. O velho acende um cubano, umedece a garganta com mais uns goles de seu ilícito “Tequila Sunrise” e pronto a destilar sabedoria, comenta com o neto que o criador do drinque foi o roqueiro Mick Jagger, que proibido de consumir álcool, criou a batida com visual de laranjada.

Retorna a falar Imagine, João, se as palavras não existissem, o que seria de nós? Viver em um mundo sem poesia, sem filosofia, sem literatura? Sem as palavras, como Marx mudaria o rumo da história com o seu “Manifesto”? Ou Sartre, imagine-o tentando explicar o existencialismo, não no charmoso idioma francês, mas por meio de gestos? Cruz e Sousa, sem a genial pena, a única válvula de escape? E mais, o teu querido Chico Buarque, sem a genial poesia de boteco, sem as palavras pra cantar na voz tímida?

O neto assente com a cabeça, concordando com as sentenças do avô, que torna a falar, devagar e sempre, como de costume E digo mais! Sem as palavras nem Deus existiria. Sem as palavras o mundo seria mais feio, mais triste, e paradoxalmente mais feliz.

João consulta o relógio. Sete horas. Deve voltar antes de escurecer. Despede-se do avô com um beijo na testa e sai pelos corredores do sanatório. O avô ainda grita em sua voz rouca de fumante: Mande um abraço a Lênin e Trotsky. Pra Stálin não, não vale o chão que pisa. O Mundo é azul. Mas um dia será vermelho! VERMELHO!